terça-feira, 5 de março de 2013

Órfãos e Heróis - Parte I: Vítimas do Acaso



Já fazia alguns dias desde de que a caravana havia iniciado sua jornada através do reino conhecido como o Vale da Batalha. Um vento frio e persistente acompanhava os viajantes, uivando através das colinas próximas como um mau presságio, desde que haviam começado sua viagem.

Sem muito conforto, os aventureiros tinham um raro momento de descanso em um dos vagões puxados a cavalo enquanto outros homens mantinham a guarda no lado de fora. Eles haviam sido contratados para escoltar um nobre humano chamado Markas até o Vale da Névoa, na cidade de Vau Ashaben, onde ocorreria o casamento da irmã dele. O trajeto não havia sido dos mais suaves, e um ataque por Gnolls chegou a fazer algumas vítimas. 

Os primeiros raios de sol daquela manhã esgueiravam-se pelas frestas na madeira do vagão,  iluminando cada um dos seus cinco passageiros. Sentados no chão estavam: Lira Canção Errante, uma barda de Águas Profundas, a cidade dos esplendores; Davos Lobo Verde, um meio-orc Druida de Floresta Alta e seu companheiro lupino Ulfur; Buran, um anão monge da Cidadela Felbar, nas Fronteiras Prateadas; e finalmente Kevan, Mago de um pequeno povoado rural chamado Vau da Adaga, nas Terras Centrais do Ocidente.

Lira assobiava uma de suas canções preferidas até que, curiosa sobre seus colegas, tentou dar início a uma conversa:
- É, parece que temos um grupo e tanto aqui... 
Davos apenas emitiu um grunhido em resposta à garota e continuou acariciando seu lobo. Kevan tentava ler seu grimório com dificuldade devido ao movimento da carroça quando foi interrompido pela pergunta.
- Não me diga...e ele acabou de ficar um pouco menor há algumas noites atrás. - Respondeu o mago.
- Ainda preocupado com os Gnolls? - Lira continuou, mas Kevan não teve tempo de responder.  A caravana fez uma parada inesperada, e então houve um breve momento de silêncio. Um clima de preocupação permeou os espaços entre os viajantes. Buran mantinha-se sereno, meditando em seu canto, sem pronunciar uma palavra sequer, até que eles ouviram a voz de Markas do lado de fora:
- Bom dia senhor. Sabe dizer se existe algum povoado próximo onde possamos fazer uma parada?
Buran abriu seus olhos, se levantou e saiu do vagão. Os outros logo o seguiram.
- Sim meu jovem, siga para...Nordeste, margeando as montanhas, e você encontrará Acaso. - Disse um velho emagrecido e sujo, vestido apenas com trapos, que sentava-se sobre uma rocha ao lado da estrada.



- O senhor devia tomar cuidado, essas estradas estão perigosas ultimamente. - Buran entrou na conversa, mostrando preocupação para com o andarilho. - Tivemos problemas com Gnolls por essas partes há alguns dias.
- E não se esqueça dos Drows, afinal de contas é principalmente por causa deles que contratei vocês. - Completou Markas.
- Ah sim...os Drows...vocês devem temer os Drows, vocês devem temer as bestas que espreitam nas florestas dos elfos, mas vocês devem temer acima de tudo O Escuro. Vocês não vão querer encontrar O  Escuro, mas pouco importa, porque um dia O Escuro encontrará vocês. E haverá apenas Limbo então, quando o sopro maldito os tocar a pele... - As palavras roucas do velho mais soaram como uma previsão do que como um aviso.
- Ah, ótimo, agora temos que escutar profecias de um velho louco. - Pela primeira vez o grupo ouviu a voz gutural de Davos.
- Mais respeito com esse senhor, orc. - Buran não disse a eles, mas por ser um andarilho o velho o fazia recordar de seu falecido amigo Marcab. - Quem é O Escuro, senhor?
- O Escuro anda entre vocês, pelas cidades, muitas vezes sem ser percebido, e quando ele se revelar será tarde demais... - O velho voltou seu olhar para Lira, que segurava se glaur, e em uma súbita e caótica mudança de humor perguntou:
- Me diga jovem barda, o que você espera encontrar por aqui?
- Eu? Nada em especial. Só fui contratada para entreter essas pessoas na viagem. - Ela mostrou um discreto sorriso, daqueles de quando se fala uma mentira óbvia esperando que o interlocutor entenda a mensagem. - O senhor gosta de música?
- Eu...hm...certa vez, há muito tempo, eu acho, havia um homem chamado Rigal Kinsef. Ele gostava muito de música. Mas então veio O Escuro, e agora há somente Limbo.
- Ahaaaam...então acho que está no hora de seguirmos nosso caminho, certo? - Kevan quis transparecer sua desconfiança para o restante do grupo.
- Vamos embora, precisamos chegar na vila o mais cedo possível para nos reabastecer de suprimentos. - Markas interrompeu a conversa, empurrando seus guarda-costas de volta para o vagão, suas mão frias como mármore.
Buran ficou para trás, e se aproximou de Limbo.
- Quer vir com agente, senhor...Limbo?
- Hm...e por que não? Talvez eu consiga uma moeda de cobre naquela vila.

A caravana seguiu viagem, o velho se mantendo sentado com as pernas pendendo para fora do vagão e balbuciando palavras para si mesmo. Nesse momento nenhum deles teve dúvida de que o homem sofria de algum tipo sério de insanidade.

Em cerca de quatro horas chegaram eles à vila de Acaso. Parecia ser um dia como qualquer outro para os habitantes daquele povoado - as mulheres carregavam baldes d'água até suas casas para lavar as roupas, alguns homens vendiam mercadorias estendidas em lonas no chão e em barracas - e realmente seria um dia comum, não fosse o fato de as pessoas parecerem muito preocupadas e reclusas. Os aventureios já haviam ouvido falar que os habitantes do Vales eram um pouco reticentes com forasteiros, mas não esperavam por uma recepção tão fria.




Markas deu a ordem para que todos descessem.
- Fiquem à vontade por enquanto, vou ver se está tudo bem com os cavalos.
Buran foi procurar Limbo, com a intenção de dar ao homem algum dinheiro, mas em seu lugar encontrou apenas uma misteriosa moeda de prata. O anão mostrou a moeda para o os outros, mas ninguém nunca havia visto uma peça de prata parecida. Lira examinou o objeto e encontrou uma fraca aura de necromancia, porém decidiu não revelar isso ao seus colegas.

O grupo então se dispersou, mas após alguns minutos uma comoção nas ruas chamou a atenção de todos e reuniu os aventureiros novamente.

- Isso tudo é culpa de vocês! Se tivessem feito seu trabalho, nada disso teria acontecido com os garotos! - Um homem atarracado, com o rosto bronzeado e vestindo um avental de ferreiro acabara de empurrar um guarda ao chão, e avançava sobre o homem segurando um martelo, a mão erguida sobre a cabeça. O franzino guarda, cujo elmo havia caído da cabeça devido ao violento tombo, arrastava-se amedrontado para longe do homem com os olhos fixos naquele martelo. Davos presenciava a cena e não perdeu tempo - o meio-orc correu e se colocou diante do ferreiro.
- Largue. O. Martelo. - Disse ele. O ferreiro jurava ter visto um brilho bestial nos olhos do imponente druida quando ele rugiu após mencionar as três palavras.
- E...eu...escuta, eu não quero problemas senhor! Por favor, me deixa explicar!. - O homem, intimidado, quase implorou ao meio-orc, e o guarda aproveitou a situação para fugir do local. Davos apenas permaneceu em silêncio.
- É que temos um problema muito sério aqui - os órfãos, eles foram até a torre!
- Espere um pouco, homem, dá pra tentar fazer algum sentido? - Lira tentou trazer o ferreiro de volta à terra.
O homem respirou fundo e continuou. - Tudo bem...vou contar desde o começo: estão vendo a torre no alto daquela colina? - Ele apontou a estrutura, que parecia ser uma torre de mago, há alguns quilômetros dali. - Então, há mais ou menos um dois meses, alguns homens que se aventuravam perto demais dali começaram a desaparecer, e agente não sabia o porquê. Até que um dia uma pessoa voltou para contar história. "O Carrasco", como nós chamados ele agora, é um monstro que passou a morar naquela antiga torre de mago. Ele é uma criatura perversa, com a face saída de um dos infernos: não tem olhos, mas ainda sim enxerga! A última vítima desse monstro foi um lenhador, o pai de dois garotos, Olryck e Ildir, que ainda moram na vila. Isso foi há umas duas semanas atrás. Os garotos sofreram muito, coitados, e eu até tentei adotar eles. O problema é que Olryck, o mais velho, sempre foi muito rebelde e dizia que queria "ir embora desse lugar". Os dois começaram a fazer pequenos roubos pela vila, acho que para juntar algum dinheiro para sair daqui, mas nós sempre fomos muito pacientes com essas crianças. Eu mesmo já me deixei ser roubado. O maior problema começou quando um mensageiro do Lorde Ilmeth chegou aqui trazendo isso. - O ferreiro os levou até a taverna local e mostrou a eles um panfleto preso à parede.


Os órfãos viram isso ontem e decidiram sair à colina sozinhos. Acho que eles queriam vingança pelo pai. - O homem respirou fundo, tentando manter a calma. - Olha, eu perdi o controle, sei que não é culpa dos guardas. Três deles até foram atrás dos garotos mas não voltaram. E nós só tínhamos sete guardas na cidade, para nos proteger e patrulhar as estradas. O que aconteceria com agente se os Drows atacassem e nenhum soldado tivesse aqui? Agente não teria uma chance contra esses elfos do inferno...

- Sem problemas. Acho que você já tem uma solução meu amigo. - Todos olharam para trás quando Markas chegou falando com um sorriso no rosto. - Pessoal, um dos meus cavalos está com uma ferida feia na pata - acho até que está infeccionada - o que acham de fazer a boa ação do dia, resgatarem os garotos e ainda descolarem uma boa recompensa? - Era difícil discernir quando o jovem falava sério de quando ele estava sendo sarcástico. - Enfim, façam o que vocês quiserem, vou precisar de algum tempo. Partiremos amanhã de manhã.

Os quatro pensaram por um tempo, tentando chegar a um consenso.
- Eu não sei não...isso me parece muito arriscado. - Kevan mantinha-se preocupado.
- Pense bem, uma antiga torre de mago abandonada...imagine quantos tesouros poderíamos encontrar por lá! - Lira, por outro lado, parecia mais animada.
- Vocês estão esquecendo de um detalhe: os órfãos. Se decidirmos ir, devemos sair o quanto antes. Já faz um dia que eles foram até lá. - Buran tinha um forte argumento.
- Tudo bem...por mais que me incomodem todos esses humanos e seus problemas, concordo que os garotos não tem culpa alguma.

Eles trocaram mais algumas palavras e sem mais demora partiram em direção à misteriosa torre na Colina Dente do Acaso...

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