sexta-feira, 5 de julho de 2013

O Beijo da Rainha - Parte I

Junto aos outros convidados Maja esperava pela chegada da noiva em silenciosa ansiedade. Não por estar emocionada com a cerimônia, mas porque a ladina havia entrado no quarto de Eryn naquela manhã, impulsionada pela curiosidade e a chance de um pequeno roubo. Ela havia contado a seus companheiros que tinha visto alguém mais adentrar o quarto, mas não fazia idéia se a irmã de Markas sabia do ocorrido. "Posso até ter me metido em problemas, mas parece que não sou a única pessoa que não quer ser descoberta", ela pensou. 

Buran, Lira, Linus e Kevan também haviam comparecido, apesar de carecerem de roupas mais adequadas à situação. Davos e Vessszyr decidiram não ir ao casamento. O meio-orc tinha coisas melhores a fazer do que participar de festividades "humanas". O drow, por sua vez, temia que a reação das pessoas não fosse das melhores e então decidiu explorar a cidade um pouco naquela tarde.

E que bela tarde era aquela à beira do rio Ashaba. O sol brilhava entre as nuvens, e sua luz alaranjada quase mística coloria de dourado as névoas que pairavam sobre as águas e os campos do Vale nesta época do ano. Aquele clima era praticamente irônico em contraste com a violenta tempestade que havia caído no dia anterior. Eryn tinha feito a coisa certa em confiar nas previsões de Telyna, a clériga de Chantea.

Eryn chegou em um magnífico cavalo branco – aquele que Markas havia trazido junto com ele e cuidado durante todo o percurso da caravana. Aldred a esperava sob o altar, uma armacão pergolada  que sustentava trepadeiras decoradas com flores brancas. Linus ajudou Eryn a escolher aquelas flores, e o menino não conseguiu conter um sorriso orgulhoso ao perceber a decoração do altar de Chauntea.



Aldred ajudou Eryn a descer do cavalo. Ele sorria de uma forma que talvez nem a própria Eryn havia visto antes. Telyna cumprimentou o casal, disse algumas palavras e com seu símbolo sagrado em mãos começou a entoar as preces de fertilidade de Chauntea. Quando o rito terminou a clériga deu a permissão para que o casal se beijasse. Os convidados comemoraram emocionados.

De repente a comoção foi interrompida quando um silvo atravessou a multidão em direção ao altar - era uma flecha! O projétil atingiu Eryn no peito, bem próximo ao ombro esquerdo, e um borrifo de sangue tingiu de vermelho as flores nos arranjos.

A jovem desfaleceu ainda os braços de Aldred. "Pelos Deuses, não!", exclamou seu noivo de cabelos grisalhos. Markas se apressou em direção à irmã assim que percebeu o que tinha acontecido.

Buran foi astuto e logo voltou sua atenção para o ponto de onde o disparo havia se originado. "Lira, ali!", bradou o sábio monge enquanto apontava em direção a uma pilha de caixotes a alguns metros dali. Uma figura encapuzada se escondia atrás de uma caixa de madeira e tinha uma besta pesada em mãos. A barda, que era quem estava mais próxima, levou a mão a cabo de seu sabre e correu em direção ao assassino. Buran, Linus e Maja a seguiram.

Kevan apenas caminhava lentamente. Buran e Maja passaram pelo mago, um pouco intrigados pela sua calma diante da urgente situação, mas logo perceberam que ele se concentrava em uma magia, os olhos fechados enquanto sussurrava palavras arcanas.

Eles se aproximaram da pilha de caixotes que o assassino utilizara como cobertura, mas logo viram que ele já havia corrido em direção a uma casa abandonada e escalado até o telhado com grande agilidade. 

Maja, ainda um pouco desconcentrada, pisou em falso e se desequilibrou ao tentar saltar o caixote. "Droga, Maja, concentre-se!", a jovem pensava consigo mesma. Buran já estava a frente de todos seus amigos neste momento tendo até mesmo ultrapassado Lira - era incrível como ele era ligeiro para um anão. Em um salto acrobático o monge utilizou-se da parede da casa para chegar ao telhado sem utilizar as mãos.

Enquanto isso Kevan terminava de conjurar sua magia, retirando de sua bolsa de componentes uma pequena vela que se acendeu magicamente e derreteu por completo em questão de segundos.

O assassino corria sobre o telhado velho da casa até que em um passo mais forte seu pé atravessou uma telha podre e ele ficou preso pela perna.

Buran ainda estava um pouco distante de seu alvo, e se perguntava se conseguiria chegar até ele a tempo para tirar vantagem do erro que o assassino havia cometido. O anão olhou para cima e viu uma águia de penas prateadas se materializar do nada - ele logo entendeu o que Kevan estava tentando fazer com aquela magia.

A águia avançou veloz como um relâmpago e cravou suas garras no rosto do  inimigo, ele deixou escapar um grito de dor e em um ato reflexo conseguiu desprender sua perna do telhado. Buran tinha ganhado tempo com o ataque da criatura invocada por Kevan e se aproximou o suficiente para saltar sobre o homem e agarrá-lo entre os braços. Com o peso dos dois o telhado cedeu e eles caíram na parte de dentro da construção abandonada.

Buran se colocou de pé e arrastou o assassino para o lado de fora, onde os outros já esperavam. O homem cambaleou ao tentar ficar de pé e caiu sentado no chão, as costas apoiadas na parede da casa. Buran puxou o capuz que ele vestia revelando tratar-se de um drow.


Irmã Alena, Paladina de Chauntea e uma dos seis conselheiros, correu em direção a eles com os passos ligeiros de um halfling acompanhada de Nelyssa Shendean, que também era uma paladina de Chauntea e a Capitã dos Cavaleiros da Névoa. A halfling sacou uma espada curta, que mais parecia uma espada bastarda em suas mãos, e apontou a lâmina para o pescoço do drow. "Como ousa, drow!?", disse ela fervorosamente, exercendo leve pressão com a ponta da lâmina no pescoço do assassino

"Alena, acalme-se!", Nelyssa tentou controlar sua amiga.

"Certo...para as masmorras com ele agora então! Vocês, ajudem ela! O restante venha comigo!" a halfling paladina apontou para Lira e Buran antes de se retirar apressadamente em direção à conselheira ferida, na companhia de Kevan, Maja e Linus.

A prisão de Vau Ashaben ficava em antigos fortes no complexo murado do posto da guarda. Nelyssa acorrentou o drow dentro de uma das celas no subsolo. "Foi muita ousadia sua, drow...você nos deve algumas respostas antes de decidirmos o que fazer com você.", disse a humana de cabelos pretos cortados na altura das orelhas.

"Quem é você?" Buran perguntou, mas o drow permaneceu em silêncio. Ele levou a mão direita ao rosto, sobre o que restava de um olho que havia sido arrancado pela águia invocada por Kevan, e sorriu, a dor ainda torturando-lhe a face. Buran se calou e começou a revistar o drow de forma truculenta.

Lira deu um passo a frente. "Responda, de qual Casa você faz parte?" Lira indagou o elfo negro e ele retirou a mão banhada de sangue do rosto.

"Sou da Casa Beija-Aranha."


Lira torceu o nariz, levantou uma sobrancelha, e completou "Veja só, é melhor começar a dizer a verdade ou entregaremos você a uma Casa rival. Tenho certeza de que teriam menos misericórdia do que nós".

"Ahahaha...Sabia que não seriam idiotas o suficiente para cair nessa...sou da Casa Jaelre. Mas perguntas não poderão ajudar vocês agora. Há uma tempestade se formando, e já é tarde demais para impedi-la." Foram as palavras do assassino pouco antes de Maja descer as escadas esbaforida.

"Rápido, pessoal, Markas precisa de vocês!". Disse a ladra ao chegar.

O grupo se apressou até a casa de Eryn, deixando o interrogatório para mais tarde. Eryn jazia deitada em sua cama ainda inconsciente. Irmã Alena estava de pé ao seu lado com as mãos estendidas sobre  a jovem. O ferimento do virote já não estava mais lá, tendo dado lugar a uma cicatriz criada como consequência de uma magia de cura. "Me desculpe Markas, fiz o que podia pelos ferimentos mas alguma outra coisa impede ela de despertar."

Kevan chegou minutos depois acompanhado de um gnomo. Era Almaestaddamir Velicastelo, ou somente Almaes, como era conhecido na cidade. Almaes era um alquimista. "Com licença, com licença...o que temos aqui?" O gnomo adentrou o quarto com seus passos curtos e logo percebeu a gravidade da situação. "A conselheira... o que houve!?"

"Ela foi atingida pelo virote de um assassino. Alena curou seus ferimentos com magia mas ela ainda não esboçou qualquer melhora..." a voz de Markas desapareceu pouco a pouco a cada palavra.

Almaes se aproximou para examinar a conselheira. "Entendo...veneno talvez?"

Buran levou uma das mãos aos bolsos fundos escondidos em seu robe e retirou um frasco quase vazio, com  um pequeno resíduo de um líquido púrpura ao fundo. "Aqui, o drow que atacou ela estava carregando isso." disse o anão ao entregar o frasco a Almaes.

Por alguns minutos Almaes fez testes utilizando o frasco de veneno e algumas substâncias que ele próprio havia trazido consigo. Ele testou uma a uma até que houvesse uma reação. Ele retirou um pouco do sangue de Eryn e fez o mesmo depois. "Hmmm... nada bom, nada bom!" Disse o alquimista. "O assassino usou um destilado do veneno de Rainha Negra. É extremamente mortal. Eu posso produzir um antídoto, mas não sem uma boa amostra do mesmo veneno. O problema é que esses aracnídeos só existem na Floresta da Aranhas, no Vale das Sombras, e isso fica a mais de uma dezena de distância daqui. Mesmo que fossem até lá, vocês nunca voltariam a tempo!". 

"Pelos Sete Infernos! Não há mais nada que possamos fazer?". Markas praguejou, e Alena ofereceu uma reposta.

"Se ao menos Nerval estivesse aqui... ele poderia nos ajudar com sua magia. Ele é um clérigo poderoso, tenho certeza de que seria capaz de curá-la." Alena olhou para cima em direção a Markas e continuou. "Há quatro dias ele saiu em uma missão ao Campo dos Túmulos com alguns zelotes."  

"Nós podemos ajudar, temos meios de viajar rapidamente. Estaríamos de volta em menos tempo do que isso". Disse Kevan

"Olhe Kevan, eu agradeço o que está tentando fazer, mas não é obrigação nem responsabilidade de vocês..." Markas respondeu com o rosto ainda tomado por preocupação

"Sabemos que é a coisa certa a se fazer Markas. Não podemos ficar aqui de braços cruzados." Kevan se justificou.

"Muito obrigado Kevan! Obrigado a todos vocês. Eu confio em suas habilidades, mas, por favor, se apressem..."

Lira convocou seus aliados no lado de fora do quarto para uma conversa em particular. "Parece que temos duas alternativas aqui: ir atrás do clérigo ou procurar pelo veneno da aranha rainha". Disse a jovem de cabelos vermelhos. 

"Rainha Negra". Kevan retificou.

"Que seja. Enfim, alguém tem alguma opinião sobre isso?"

"Poderíamos ir até Aerthor. Existe uma boa chance de que lá haja um portal conectado a pelo menos uma dessas duas localidades." Disse o mago.

"Eu não sei...acho muito arriscado, pode também não haver portal algum. É mais seguro seguirmos imediatamente para o Campo dos Túmulos." Buran ponderou.

"O que você acha Maja?". Lira perguntou à ladina de Vaasa.

"Acho as duas igualmente arriscadas. Poderíamos encontrar ou não portais em Aerthor. Por outro lado, se seguirmos direto para o Campo dos Túmulos poderíamos não voltar a tempo, isso se o clérigo ainda estiver vivo."

"Eu concordo com a Maja". Disse Linus.

"Você não vai participar dessa decisão, seu comedor de maçãs". Maja repreendeu o garoto, que resmungou mas não teve tempo de argumentar.

Lira levou uma das mãos ao bolso e retirou de lá a moeda de Limbo. "Até aqui fomos todos guiados pelo acaso e tivemos sucesso. Eu proponho que esta moeda decida nosso futuro. Se cair coroa vamos direto ao Campo dos Túmulos. Se cair cara, vamos a Aerthor e decidimos de lá".

Os outros se entreolharam com desconfiança. Parecia loucura mas ninguém tinha uma ideia melhor, e eles não podiam perder mais tempo decidindo. Lira arremessou a moeda para cima. Ela girou dezenas de vezes, seu brilho argênteo refletindo a luz do sol no rosto de cada um deles, até que a peça de prata finalmente repousou sobre a mão da barda. Sua dança caótica já havia determinado o destino dos aventureiros.

Cara.



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