terça-feira, 30 de julho de 2013

Quem Aconselha os Conselheiros?

Kevan e Davos aproveitaram a tarde para visitar Almaes. Eles queriam ouvir o que o gnomo tinha a dizer sobre o constructo mecânico que haviam encontrado. Do lado de fora da oficina do alquimista eles conseguiram escutar uma daquelas discussões taquilálicas e técnicas que somente os gnomos eram capazes de compreender. Eles bateram mas não obtiveram qualquer resposta, o que fez Davos  perder a paciência. O druida empurrou a porta e acabou por derrubar acidentalmente um gnomo que estava estava atrás dela. Não era Almaes, mas outro membro o Povo Esquecido. O pequenino caiu de costas ao ser atingido pela porta e logo sacou uma estranha arma de seu coldre - uma pistola - algo que nenhum deles, nem mesmo o próprio Almaes, havia visto até então.



"Tudo bem Nelin, ele é meu conhecido!", Almaes pediu que o seu amigo se acalmasse.

O gnomo franziu a testa e guardou sua arma. "E-agora-quem-são-esses-intrusos?", ele perguntou.

Kevan entrou em seguida puxando com esforço o constructo mecânico. "Almaes...", disse ele ainda ofegante "Acha que pode dar uma olhada nisso aqui?"

Assim que o mago colocou o constructo dentro da oficina, Nelin correu para perto e começou a examiná-lo. "Realmente-muito-interessante-isso-que-você-trouxe-obrigado-vou-começar-os-reparos-imediatamente-a-propósito-onde-você-encontrou-ele-qual-é-o-seu-nome-mesmo?", ele falou, atropelando-se a cada palavra e respirando fundo ao terminar.

"E-Eu? Meu nome é Kevan, senhor gnomo. Por um acaso eu o ouvi dizer que poderia consertar o golem?".

"Não-é-um-golem-na-verdade-esse-é-um-homem-de-Gond-pode-ser-que-ele-tenha-sido-trazido-de-Lantan-que-por-um-acaso-é-de-onde-eu-venho-mas-posso-fazer-alguns-reparos-com-as-peças-certas-que-tal-deixar-isso-um-pouco-comigo-estarei-na-tarverna-os-braços-de-Vau-Ashaben-me-encontre-lá-mais-tarde."

"Hm...eu não sei, talvez seja..." Kevan não teve tempo de terminar.

"Muito-bem-obrigado-nos-vemos-lá-mais-tarde-vou-começar-a-trabalhar-o-quanto-antes-meu-nome-é-Nelinkzutir-Fumaça-Preta-Szarin-aliás."

"Ah...enfim, que seja." Kevan suspirou. Ele não teve sequer chance de argumentar, mas de qualquer forma se o golem fosse colocado para funcionar novamente ele estaria satisfeito. Ademais, já não havia mais tempo: eles precisavam se preparar para a reunião do Conselho do Seis da casa de Haresk Malorn, o alto conselheiro.

O grupo se encontrou lá durante a tarde, e depois de discussões, acusações e provocações, o Alto Conselheiro cedeu a um pedido inesperado de Nerval e Nelyssa: que os aventureiros participassem da investigação.


···




Sobre uma pedra no riacho, Saevros mirava com seu arco em direção à água. Aos pés do meio-elfo jaziam dúzias de peixes frescos presos a uma amarra de cipó. Esperando pelo momento certo de atirar, ele corrigiu a mira, segurou a respiração, e puxou a corda um pouco mais, mas, quando estava prestes a disparar, foi surpreendido por uma mulher emergindo da água bem diante dele. Seu coração acelerou. Era uma jovem de beleza cegante, com cabelos cor de prata e olhos cinzas. Seu magnetismo sobrenatural e as orelhas pontiagudas, mais compridas do que as dos elfos, denunciavam sua natureza feérica. Era na verdade uma ninfa.





"Aillesel Seldarie! Quase me mata de susto Faelieth!"

A ninfa gargalhou e respondeu "Eu não sabia que ainda provocava essa reação em você, Saevros."

O meio-elfo suspirou. "Quero dizer que quase coloquei uma flecha no meio dos seus olhos..."

"Eu tenho certeza de que você não faria isso comigo, certo?"

"O que você acha?" O rasteador relaxou os ombros e sorriu com um canto da boca.

"Eu acho que gostaria de saber porque está pescando no meu riacho." A ninfa cortou Saevros com um ar repreendedor.

"Ah...os peixes? São para Nevasca. Vou precisar suborná-la com a comida favorita dela."

"E o que esse grifo fez para merecer o tratamento especial?"

"Caso você ainda não saiba, ela não é tão fácil de convencer quanto eu." Saevros riu com leve constrangimento. "Ela vai me ajudar com uma coisa importante e quero que ela esteja de bom humor." 

"Eu estou de bom humor...que tal ficar um pouco e me contar mais?"

"Infelizmente não posso, tenho que ir agora. Mas prometo que te falo quando voltar." Saevros pendurou a amarra de peixes nas costas e saiu, desaparecendo entre as árvores. Faelieth, visivelmente frustrada, mergulhou de novo no rio.


···



Já era de noite quando Nelyssa pediu aos aventureiros que fossem com ela até a prisão. Eles estavam cansados mas aceitaram a proposta. "Precisamos terminar de interrogar o prisioneiro o quanto antes" disse a Capitã dos Cavaleiros do Vale da Névoa. Quando o grupo chegou, eles encontraram tods os soldados da guarnição caídos. Nelyssa correu até um deles, se ajoelhou ao seu lado e verificou o pulso. "Ele está vivo, mas parece que está...dormindo?"

"Procure ferimentos de virotes, pode ser veneno Drow." Lira deu seu palpite.

Nelyssa correu os olhos pelo corpo do soldado mas não encontrou nada, então olhou para Lira e balançou a cabeça.

"Ei, acorde! Acorde!" Ela gritava e sacudia os ombros do soldado.

O homem acordou mas parecia um pouco confuso.

"Vão até o calabouço, vou tentar tirar alguma coisa dele"

Lá em baixo, os aventureiros encontraram o assassino drow deitado em uma poça de seu próprio sangue. Marcas de garras riscavam-lhe a pele de cima em baixo. "Algum monstro fez isso. Uma criatura invocada talvez. Consigo sentir uma distorção na Trama dentro desta cela" disse Kevan.

Havia um soldado encolhido no final do corredor, tremendo de medo e chorando. Linus e Buran se aproximaram para falar com ele enquanto o restante de seus amigos estava dentro da cela.

Ao examinar o cadáver do drow, Lira percebeu uma luz azulada vindo de seu bolso. Era a moeda de Limbo! Ela brilhava com uma chama fria e fantasmagórica, reagindo à presença homem morto. A barda mostrou o item ao restante dom grupo e a decisão de guardar o objeto mágico até que seus efeitos fossem completamente compreendidos foi unânime. Lira entregou a moeda para Kevan, que sentiu uma aura de necromancia muito mais poderosa emanando dela agora. "Vou estudar a moeda essa noite e tentar descobrir qual efeito mágico ela esconde. Vai ser mais fácil agora que sua aura se intensificou." disse o mago.

Ao conversar com os guardas, alguns deles referiram tem visto um mago entrando no forte pouco antes de sucumbirem a uma espécie de sono mágico invocado pelo invasor. Eles até tentaram utilizar magias de telepatia para encontrar mais pistas nas memórias dos guardas, mas seus esforços não foram muito frutígeros. No dia seguinte seria a hora de interrogar os conselheiros.

···

Saevros Altocéu jogava os peixes um a um para Nevasca, seu grifo albino de montaria. Ela saltava com suas poderosas patas leoninas de pelo branco, batendo as asas levemente uma ou duas vezes, e agarrava os petiscos com seu bico de águia. Era uma criatura fantástica em todos os aspectos. Altocéu se aproximou e acariciou o pescoço de Nevasca, que abaixou a cabeça em satisfação. Então ele colocou uma sela e rédeas na besta e a montou. Puxando as cordas para trás e dando um comando de voz em élfico, a linguagem em que a criatura havia sido treinada, ele fez o grifo empinar com as patas dianteiras e depois alçar voo.

Bem no alto eles tiveram a chance de saborear o ar frio e a luz alaranjada do entardecer. Lá em baixo, as planícies e árvores estavam cobertas por um mar de névoas. Seu destino ficava há alguns quilômetros ao sul dali, mas voando eles chegariam bem depressa. 

Até mesmo lá de cima, uma pessoa sem conhecimento profundo da floresta não perceberia aquilo que estava ocultado pelas árvores em uma região circundada por colinas baixas: a cidade élfica de Aerthor. Saevros de o comando para que seu grifo pousasse. Nevasca começou a circundar a região, baixando de altitude a cada volta. 

Eles desceram bem no centro do povoado. Alguns adolescentes vieram ao encontro dos dois, fascinados por Nevasca.

"Onde está o Ancião?" Saevros perguntou aos jovens.

"Ele tinha ido até o santuário." um dos garotos apontou. "Podemos voar um pouco com a Nevasca enquanto fala com ele?"

"É melhor perguntarem diretamente pra ela. Não me importo, desde que depois não me venham reclamar que tiveram um olho arrancado. Ugh...ela adora bicar os olhos!" Saevros respondeu de forma pouco convincente, mas, apesar de não muito bom com as palavras, o meio-elfo conseguiu assustar o grupo de jovens elfos. Ele saiu na direção do santuário certo de que deixariam seu grifo em paz



No centro de uma ilhota circundada pelas águas rasas de um riacho Elros sentava-se com as pernas cruzadas e os olhos fechados. Ao seu lado aguardava pacientemente uma elfa do sol que Saevros nunca havia visto antes. Seus olhos e cabelos dourados quase se mesclavam cor de sua pele. Não era exatamente bela para os padrões humanos, mas era atraente de uma forma exótica. Suas roupas, que consistiam em um robe branco intricadamente adornado com padrões suaves e graciosos, destoavam, em sua sofisticação, das rústicas vestimentas dos elfos da floresta. Quando Altocéu se aproximou, a mulher tocou o ombro de Elros e ele abriu os olhos, e percebeu a aproximação do recém-chegado meio-elfo.



Saevros se ajoelhou. "Me desculpe Ancião, não queria interromper sua meditação."

"Tudo bem, eu logo precisaria despertar. Fique à vontade." Elros gesticulou para que Saevros se levantasse e ele o fez. "Lorelei, esse é Saevros da casa Altocéu, de quem eu havia lhe falado".

A elfa do sol sorriu e cumprimentou Saevros.

"Lorelei veio de Encontro Eterno para nos ajudar com um assunto muito importante. Mas não deixe isso te interromper - suponho que tenha vindo ao meu encontro para me dizer alguma coisa."

"Sim Ancião, é sobre os drow."

"Descobriu mais alguma coisa?"

"Tenho observado ainda mais batedores nas trilhas, e há humanos entre eles também."

"Sem dúvida eles procuram por Aerthor. Você percebe o perigo que criou ao trazer aqueles forasteiros até aqui?"

"Sim, Ancião. Mas se me permite, foi o senhor mesmo me ensinou que nosso povo não esquece facilmente uma dívida de gratidão."

"Claro que não, Saevros, mas entenda que tudo o que quero é nos proteger."

"Os drow são nossos inimigos jurados, e seus números vem aumentando cada vez mais em Cormanthor. Mais cedo ou mais tarde eles vão nos oferecer uma ameaça real e nós teremos de lidar com eles."

"Não se o Mythal for restaurado antes." disse Elros.

"O Mythal? Mas então...quer dizer que encontramos o Bastão de Elandorr!?" Saevros parecia chocado.

"Não exatamente...mas temos uma pista de onde ele pode estar escondido." Lorelei interpelou, quebrando o silêncio que até então havia mantido.


···

"A moeda permite falar com os mortos", disse Kevan.

"Isso pode ser útil.", Lira comentou.

"Quer dizer que pretende mesmo usar isso naquele cadáver?"

"Que outra escolha temos? É uma boa chance de esclarecer os fatos e conseguir algumas respostas. Além disso, os outros já estão investigando os conselheiros."

Kevan, Lira, Maja e Buran descobriram que o drow iria ser enterrado no lado de fora da cidade, em uma cova não marcada. Eles seguiram até lá e encontraram um jovem e inexperiente soldado fazendo o trabalho de coveiro. Não foi um desafio para uma barda experiente convencer o garoto de se refrescar no rio Ashaba enquanto eles "ajudariam ele a cavar o buraco" - o rapaz entregou a pá nas mãos de Maja e correu em direção as águas, retirando as botas no caminho.

O corpo do drow estava ao lado, já exalando algum mau cheiro, coberto por uma lona suja.  Lira retirou a cobertura do cadáver e Kevan se aproximou, colocando a moeda sobre a testa do defunto. A moeda brilhou novamente com aquela ominosa luz azul, que logo envolveu o drow como  um fogo fantasma. O corpo se contorceu como uma marionete contra a rigidez cadavérica que já havia se instalado e se sentou. O drow ergueu a cabeça e falou, sua voz ecoando de forma assustadora.



"Quem perturba meu descanso e me trás a este mundo novamente? Fale logo e me deixe em paz!"

Os aventureiros se entreolharam, um esperando do outro alguma reação. Maja teve a coragem de fazer a primeira pergunta.

"Quem matou você, drow?"

"A mão traidora de um mago me tirou a vida.", o cadáver do drow falava como se cada palavra fosse uma dolorosa lâmina saindo de sua garganta.

"Diga-nos quem é e podemos vingar sua traição.", a ladina continuou.

"Ele veio de Obscura propor aos Jaelre, com suas promessas de que juntos renasceríamos em Trevas! Mas ele me traiu, sim! Ele traiu a aliança e me matou!"

"Queremos saber o nome desse traidor." Maja insistiu.

"Ele é chamado de Seymor, mas há quem o conheça apenas como O Escuro."

"Quem mandou você?", Buran perguntou.

"O Coxo me deu minha missão."

"Alguém do conselho está envolvido nisso?", Lira tentou outra abordagem.

"Pode se dizer que sim. Afinal, quem aconselha seus conselheiros?"

O cadáver então voltou a se contorcer, aquele brilho azulado que o permeava ficando cada vez mais fraco, até que ele caiu deitado no solo novamente. Nesse mesmo momento uma patrulha montada da guarda se aproximava do local. Lira pediu a todos que apenas ficassem calados e então levou uma mão ao seu chapéu do disfarce. Em um instante o chapéu se tornou um elmo, suas roupas uma armadura de couro da guarda, seu sabre uma lança. A estatura da barda se reduziu e sua aparência se tornou a de um jovem garoto - aquele que há pouco tempo haviam dissuadido da tarefa de enterrar o drow. Agora seria apenas uma questão de lábia e magia convencer os guardas de que tudo estava normal...


···


"Por aqui", disse o drow enquanto analisava as marcas no chão.


"Estamos chegando perto...", Benyl sussurrou. Ali, à luz do dia, ele parecia ser apenas um humano. Seu rosto pálido era debruado por uma barba e cabelos escuros. Sua estatura era mediana e o porte físico discretamente atlético. Mas na verdade Benyl era muito mais do que isso. Ele era um Vulto - um dos poucos escolhidos pelos Príncipes das Sombras para serem fiéis agentes da Cidade Obscura, recebendo deles os poderes e longevidade sobre-humanos. 


Ele comandava um esquadrão de cinco soldados shadovar e cinco drows, em uma missão dada por Belarbreeza e Jezz, o Coxo, líderes da Casa Jaelre.

Saevros observava tudo do alto de uma árvore. Ele havia colocado as trilhas falsas cuidadosamente de forma a levar o grupo até o local perfeito para uma emboscada. Outros cinco arqueiros élficos de Aerthor o acompanhavam, também escondidos sobre as árvores e apenas aguardando seu comando. Ele respirou fundo, sua visão concentrada no alvo, e deu o comando de disparo.

Benyl e seu grupo apenas puderam ouvir os silvos e, em menos de três segundos, cinco deles já tinham flechas cravadas no pescoço. Logo em seguida uma segunda saraivada de flechas foi disparada, mas apenas um alvo foi ao chão. Benyl conseguiu deduzir a posição dos atiradores e alertou seus comparsas. "Arrumem cobertura, eles estão ali, no topo daquelas árvores!"

Porém, o que eles não podiam esperar era que um grifo desse um rasante, veloz e branco como uma "nevasca", e agarrasse um deles pelos ombros. A vítima do grifo gritava em desespero enquanto era levada para cima, de onde seria solta para ter um encontro mortal com o chão muitos metros abaixo.  restante dos homens, incluindo Benyl, não puderam evitar de voltar sua atenção à criatura alada que acabara de os atacar, e isso foi a abertura pela qual Saevros e seus arqueiros estavam esperando.

Uma terceira leva de flechas tratou de finalizar o restante dos capangas de Benyl. Agora restava somente o Vulto, que se rendeu levantando as mãos ao ar.

Saevros desceu da árvore de onde estava, mas ordenou que seus homens mantivessem a vigília e os arcos preparados. Ele caminhou na direção Benyl enquanto prendia sua arco às costas novamente.

"Pode começar me dizendo o que estão procurando aqui.", Saevros falou secamente.

"Se está tão empenhado em nos impedir, acho que já sabe a resposta.", Benyl respondeu.

"Porque estava acompanhado de drows?"

"Tantas perguntas...", Benyl balançou a cabeça e continuou, "me diga onde estão os portais e tudo vai se resolver mais facilmente."

"Acho que você tem a impressão errada sobre quem está de qual lado das flechas. Responda!"

Benyl apenas sorriu. Todos puderam sentir quando aquele lugar protegido pela copa das árvores escureceu de forma sobrenatural. As sombras dos galhos dançaram, convergindo sobre Benyl como longos dedos esqueléticos, e ele foi envolto em uma aura de pura escuridão, seus olhos faiscando com uma luz demoníaca. Houve um momento de completa ausência de luz, e quando Saevros conseguiu se orientar novamente percebeu que uma pequena esfera flamejante do tamanho de uma pérola flutuava em sua direção.

"Bola de Fogo!", gritou o meio-elfo, "Encontrem cobertura!"

A pequena esfera se aproximou de Saevros e então culminou em uma enorme explosão de chamas que incendiou a grama e as árvores ao seu redor. Saevros conseguiu saltar para trás de uma pedra a tempo de se salvar. Um dos arqueiros não foi tão sortudo, e os outros puderam vê-lo enquanto caía da árvore gritando e com o corpo tomado pelo fogo.

Saevros se ajoelhou e olhou por cima do rochedo mas Benyl já não estava mais lá.



···



Era difícil acreditar que aquilo havia dado certo. Lira se passando pela conselheira Eryn, enquanto Kevan, invisível, sondava os pensamentos do conselheiro Crumorn com sua magia.



"Esse chapéu do disfarce está sendo mais útil do que eu poderia imaginar.", Lira pensou.



O grupo havia se reunido para retornar à estalagem naquela noite. Já era tarde e eles caminhavam por ruas desertas e escuras quando um vento frio os interrompeu. Um poste de luz próximo dali viu sua chama tremeluzir e quase se apagar. As ruas ficaram completamente escuras por um segundo, e quando a visão retornou aos olhos dos aventureiros estava parado diante deles um homem vestindo um manto negro e um chapéu de mago. Ela mantinha a cabeça baixa, e a aba de seu chapéu cobria-lhe o rosto. O homem então levantou a cabeça e encarou os aventureiros, revelando feições bastante incomuns. Sua pele era de um tom cinza escuro, seus olhos carregados de um sobrenatural brilho amarelo, o nariz ligeiramente achatado para dentro do rosto dando-lhe o aspecto de uma caveira. Era o que mais tarde Kevan descobriria se tratar de um fetchling - uma linhagem humana rara nascida no Plano das SombrasEle sorriu assim que seu olhar cruzou com o dos aventureiros.




"Finalmente nos encontramos! Tenho ouvido muito de vocês. Tenho sim! Mas tenho certeza que vocês tem ouvido de mim também..."

Maja sacou suas armas em ato reflexo e perguntou, "Quem é você?"

"Eu sou Seymor, mas talvez vocês me conheçam pelo nome "O Escuro", não é assim que aquele velho me chama? Ela já é um velho, certo?"

"Você não faz sentido algum." Davos praguejou com seu jeito incisivo e bruto.

"Não estou aqui para fazer sentido, orc. Estou aqui para ensinar vocês a não se meterem em assuntos que não devem!"

Seymor estendeu os braços e recitou uma conjuração, fazendo com que das próprias sombras se materializassem criaturas. Elas assumiram a forma de lobos ao se materializar e protamente cercaram o grupo.

O Escuro então deu um passo para trás. Sua sombra, que estava projetada na direção dos aventureiros, ficou parada onde estava, tendo se destacado de seu dono. Ela então se levantou do chão e assumiu uma forma semi-corpórea de material semelhante ao dos lobos, mas com a forma de um terrível demônio alado.

O demônio de sombras logo investiu voando contra Davos, que estava no centro do grupo, e o atacou com suas garras congelantes, mas meio-orc conseguiu se defender, sofrendo apenas um corte no ombro esquerdo.

Lira sacou sua tocha mágica da chama eterna pois era difícil enxergar as criaturas de sombras naquela luminosidade, mesmo para os podiam ver no escuro. Buran se antecipou e correu em direção ao invocador, acertando-lhe um golpe com a mão espalmada bem no meio do peito. Seymor caiu de joelhos no chão aparentemente sem ar e atordoado. Suas criaturas, por outro lado, continuavam a lutar desimpedidas, e assim que os lobos perceberam que seu mestre estava em perigo correram em sua direção se amontoando como uma alcateia sobre Buran.

Davos já havia conjurado uma esfera flamejante que roalava pelo campo de batalha atropelando os lobos de sombras. Agora o meio-orc preparava-se para disparar seu arco contra Seymor. Linus, que tinha recebido de Davos o Elixir de Bafo de Dragão, tomou a poção e sofrou fogo sobre dois lobos que estavam próximos. Vesszyr se posicionou cuidadosamente e com a palavra de comando "Aganazzar!" sua varinha disparou uma coluna incandescente contra outros dois monstros. Kevan acertou em cheio um raio ardente no demônio de sombras, que perfurou uma de suas asas mas acabou enfurecendo a criatura.



O demônio revidou com uma série de golpes das suas garras afiadas, que retalharam o robe do mago e lhe provocaram ferimentos superficiais mas extremamente dolorosos no peito. Ainda tentando se concentrar em seu tiro, em meio a confusão do combate, Davos sentiu que era a hora certa de disparar seu arco composto. A flecha voo pelo ar e acertou Seymor bem peito, levando o invocador ao chão. Logo em seguida as criaturas de sombras se dissiparam e as tênues chamas dos postes de iluminação voltaram a brilhar. O corpo de Seymor pareceu se liquefazer em uma água escura, deixando apenas alguns pertences em seu lugar - um robe, um amuleto e uma varinha. Os aventureiros respiraram fundo.

"Alguém pode me explicar o que foi isso?", Linus perguntou visivelmente confuso.

···

Saevros sabia que sem Elros, que estava ocupado procurando pelo Bastão de Elandorr, não seria capaz de derrotar o Vulto. Ele também sabia que seria perigoso ir até a cidade sozinho, mas não queria arriscar a vida de outro homem do povoado, então decidiu preparar Nevasca para a tarefa de buscar ajuda. Ele escreveu uma mensagem em um papiro e entregou ao grifo. "Quero que leve isso até lá na cidade, está vendo? Está me entendendo, não está, garota?", Saevros disse em élfico. Nevasca grasnou como se respondesse ao seu mestre e então alçou voo em direção à cidade.

Mais tarde, Saevros foi até a taverna que ficava na trilha entre Aerthor e Vau Ashaben. Ele entrou e procurou um lugar para se sentar. "Um copo de gim, por favor", ele pediu ao taverneiro e colocou algumas moedas de cobre sobre o balcão. O homem velho e emagrecido serviu Saevros com a paciência de quem não percebe que a morte está tão próxima (ou talvez de quem não se importa mais). O meio-elfo levantou os olhos na direção do homem, esperando que ele terminasse de servi-lo, mas o velho não retribuiu o olhar. "Tudo bem, já chega", disse Saevros. Ele pegou o copo e o levou à boca, e foi quando ele ouviu a porta se abrir. Ele fechou os olhos por um momento e então se virou. 

Era Benyl, e ele estava acompanhado de dois fetchlings. "Bebendo sem brindar? Acho que não vai se importar se eu me juntar a você.", disse o Vulto.

Saevros virou sua bebida. Tinha gosto de poeira - com álcool. "Mais um gim. E sem teias de aranha, por favor", disse o meio-elfo, e o velho tornou a servir a bebida alheio ao sarcasmo. "Poderia ter escolhido um lugar melhor para essa ocasião. Eu adoraria colocar flechas nos seus olhos bebendo absinto.", Saevros continuou.

Benyl tentou se aproximar para pegar a gim no balcão, mas Saevros agarrou o copo assim que ele deu o primeiro passo e virou novamente a bebida. "Eu não disse que era pra você.", o meio-elfo se justificou.

O Vulto retribuiu com um sorriso tão ácido quanto a atitude do meio-elfo, e então sinalizou para que seus homens atacassem.

Cada um dos fetchlings tinha uma adaga em cada mão. Saevros estava armado com o seu arco. Ele se levantou e empurrou seu banco para cima de um deles com a perna. O banco acertou o fetchling na altura do quadril e o desconcentrou por tempo suficiente para que Saevros agisse novamente. Antes que o outro capanga pudesse se aproximar ele atirou duas flechas em seu peito. Saevros então se virou para atacar o fetching distraído, mas seu inimigo foi veloz e chutou o arco da mão do meio-elfo quando ele estava prestes a disparar. Em seguida ele tentou cortar Saevros com uma de suas adagas. O rastreador conseguiu se esquivar, mas não foi rápido o suficiente para evitar ser derrubado sobre uma mesa por um outro chute bem colocado no peito.

O fetchling saltou sobre Saevros com as adagas em mãos e tentou o apunhalar, mas o meio-elfo, deitado de costas, rolou para o lado e o ataque atingiu a mesa, onde uma das adagas ficou presa. Sem perder tempo Saevros rolou para o outro lado e pegou a adaga que estava fincada na madeira. Então, em um movimento arqueado ágil e preciso, ele cortou a garganta de seu agressor antes que ele pudesse tentar qualquer outra coisa.

Saevros  rodou mais uma vez e caiu de joelhos no chão. Ele se levantou e correu para pegar seu arco. Duas flechas saltaram para posição de disparo quase que por conta própria, tamanha a agilidade do meio-elfo. Seus olhos percorreram a taverna à procura de Benyl, mas tudo o que viram foi um velho caquético fugindo pela porta dos fundos.

Foi quando o Vulto se materializou do nada em uma nuvem negra, descendo sobre ele com um golpe de cimitarra. Saevros saltou para trás evitando ser atingido, e logo disparou as duas flechas em seu inimigo. Para sua surpresa os projéteis atingiram uma espécie de campo de força que os defletiu, protegendo Benyl de qualquer dano. 

O Vulto retribuiu as flechas com rajadas de fogo mágico que lançava de sua mão livre enquanto caminhava em passo acelerado na direção ao meio-elfo. Saevros se esquivava agilmente das labaredas, que atingiam as paredes de madeira da taverna fazendo grandes estragos. Altocéu sabia que aquele campo de força não iria durar para sempre, e tudo o que precisava era de flechas suficientes para atravessá-lo.

Mas então veio novamente aquela escuridão. Saevros estava encurralado contra uma parede da taverna e agora também não conseguia enxergar. Por um momento houve apenas silêncio, até que ele pode sentir a dor aguda da cimitarra atravessando seu abdome e o gosto férreo de seu próprio sangue que agora lhe tomava a boca.

Benyl puxou a espada e Saevros caiu escorado na parede. "Espero que tenha gostado da bebida", disse o Vulto, antes de virar as costas e sair da taverna.

···

Naquela manhã o grupo foi acordado pelos gritos dos cidadãos, "Grifo!", eles diziam. Nevasca havia pousado no centro da cidade e agora tentava afastar os poucos guardas corajosos o suficiente para se aproximar dela. Os aventureiros correram na direção do grifo e Davos conseguiu acalmá-lo. Logo perceberam que ele trazia consigo um pergaminho. Era um pedido de ajuda de Saevros, que gostaria de encontrá-los ainda naquele dia em uma certa taverna na floresta.



Eles subiram em seus cavalos e galoparam pela estrada, seguindo Nevasca que voava á frente deles. Quando chegaram à taverna perceberam que já era tarde demais. Saevros estava caído em um canto. Davos se aproximou e percebeu que ele realmente estava morto. Maja e Kevan revistaram os cadáveres dos fetchlings que também estavam caídos no chão e encontraram apenas um bilhete. "Estarei no segundo piso do Véu de Veludo essa noite. Quando terminarem com ele me encontrem lá para discutirmos o próximo passo. - D", dizia a nota.

Eles deram ao amigo um funeral minimamente digno, enterrando com ele seu arco. Quando saíram, Nevasca permaneceu ao lado do túmulo de seu mestre, claramente deprimida. 

De volta à cidade, os aventureiros foram abordados por um mensageiro de Eryn, que pediu que fossem com toda urgência à sua casa. Lá Aldred tentava acalmar sua esposa, que estava claramente desesperada. Eryn, aos prantos, disse que seu irmão havia sido preso acusado injustamente de praticar necromancia. Ela disse que Markas havia sido levado para o calabouço e que precisava urgentemente falar com eles. 

E foi lá, na prisão sob um dos fortes de Vau Ashaben, que Markas revelou aos personagens sua verdadeira história...

Nenhum comentário:

Postar um comentário